Resenha: Sob a redoma, Stephen King

Yasmin Chinelato
3 min readMar 23, 2022

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Em um dia como outro qualquer, a cidade de Chester’s Mill, no Maine, é inexplicavelmente isolada do resto de mundo. Diante do caos que se instaura na cidade — colisões, separações e tragédias — pouco se sabe sobre o misterioso objeto que caiu inesperadamente sobre ela. Seria um experimento do governo? Alguma brincadeira de mau gosto de um bilionário excêntrico? Um ataque extraterrestre? Ou simplesmente um acaso, um fenômeno natural que coincidentemente resolvera se acomodar nos limites do munícipio?

A qualquer amante de ficção cientifica, a simples sinopse de Sob a Redoma seria o suficiente para fazer brilhar os olhos. Fez brilhar os meus — que haviam recentemente repousado sobre as últimas páginas do incrível Novembro de 63 e experimentavam aquela ânsia eufórica de ler qualquer outra coisa que um autor capaz de te conquistar de tal forma tivesse escrito. Mas alguma coisa, de algum jeito, simplesmente não clicou pra mim nesse livro.

Eu gostei, mas não amei. Não entendam mal — a história é ótima, bem desenvolvida e escrita da maneira característica de King que todos nós conhecemos e amamos; mas demorei muito para pegar o ritmo. Para um livro tão grande, a passagem de tempo é muito lenta — ao mesmo tempo em que coisas demais parecem acontecer. Eu me pegava surpresa todas as vezes que algum personagem ocasionalmente comentava a passagem de tempo sob a redoma. Em menos de uma semana, Chester’s Mill foi capaz de viver mais mudanças políticas, médicas e psicológicas do que qualquer outro lugar do mundo.

E falando neles, o número de personagens que atravessavam apressadamente as páginas também foi uma coisa que não funcionou muito bem pra mim. Eram muitos, e o fluxo de suas aparições parecia deixar poucas oportunidades para que se desenvolvessem bem, o que deixou a leitura um pouco confusa. Existiam, é claro, figuras de destaque sobre as quais ansiávamos saber um pouco mais — e que foram muito bem trabalhadas ao longo da narrativa, principalmente do ponto de vista psicológico — e até mesmo algumas que, embora de passagem, trouxeram elementos decisivos para o desenrolar da trama; mas muitas menções simplesmente podiam ter sido evitadas.

Duas coisas, no entanto, me impressionaram bastante: começando pelo desfecho, que é realmente incrível.

[spoiler]
Especulei por muito tempo qual seria o final infame de Big Jim — veja bem, tinha que ser infame, não havia qualquer outra coisa aceitável para um personagem tão detestável — e me sentia realmente frustrada todas as vezes que o homem conseguia se safar. Mas o destino definido por King realmente entregou tudo, reservando para o personagem uma morte solitária e assombrosa, sem ninguém que pudesse testemunhar seu show.

Além disso, também achei intrigante a conexão entre Julia, Barbie e a “cabeça de couro”, demonstrando um cuidado do autor em criar um certo diálogo emocional e psicológico entre os personagens ao mesmo tempo em que estabelecia um vínculo entre duas formas de vida tão distintas; uma ligação capaz de ultrapassar os limites do espaço e da consciência.
[fim do spoiler]

A segunda, a atenção impressionante dada aos detalhes técnicos: a precisão e segurança com que King descreve os fenômenos meteorológicos que rondam a redoma, assim como as mudanças físicas no espaço e a maneira como o ambiente e as próprias pessoas são afetadas por esta configuração inesperada.

Li em algum lugar que a intenção do autor era trabalhar em cima da maneira como as pessoas se comportam quando são isoladas da sociedade. Deste ponto de vista, o livro realmente entrega um material interessantíssimo: aqueles que almejam o poder parecem fazer de tudo para consegui-lo, não importa o que isto os custe. Por outro lado, a grande maioria parece satisfeita em seguir sem grandes questionamentos tudo aquilo que qualquer um que se autoproclame um líder os diga, não importam as consequências que os acometam a longo prazo. Sob a redoma, Chester’s Mill torna-se uma terra sem lei, e, curiosamente, uma terra em que qualquer lei parece tornar-se válida — afinal, trata-se de uma situação sem precedentes.

Em resumo, a impressão que tive é que este é um livro que talvez funcionasse melhor como uma série — de livros ou mesmo uma série televisa, embora saiba que este segundo formato, exibido entre 2013 e 2015, não tenha exatamente conquistado o coração dos espectadores. Mas mesmo estas pequenas “falhas” não diminuem os pontos positivos que sem dúvida podem ser encontrados em suas quase mil páginas.

Resenha publicada originalmente no goodreads.

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