Crônica matinal

Yasmin Chinelato
2 min readApr 7, 2022

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Todo dia às seis da manhã. O sol batendo tímido lá fora; enche de luz o lado de dentro. O tempo passa diferente nos sonhos, dizem, e nos cochilos até o próximo alarme do modo soneca. Os lençóis são quase magnéticos. Em vinte minutos podemos fazer tudo. Tudo, que é basicamente enfiar, apressados, uma roupa pescoço abaixo, dar um jeito nos cabelos e tentar fazer a criança engolir qualquer coisa antes do horário da escola. Num dia bom, descongelo dois bolinhos de banana, requento um pouco de café passado e amargo; um remédio ruim. Otimizando nosso tempo. Uma mentira que contamos a nós mesmas enquanto rolamos pra baixo o vídeo da influencer da rotina disfuncional que só existe na hashtag. A música instrumental no fundo se perde na realidade, em atrito com os resmungos, chantagens e arrependimentos. Aperto distraidamente o um no micro-ondas enquanto pesquiso modelos de mochilas grandes; a antiga se tornou obsoleta. De repente, meu bebê passou a levar livros com seu nome escrito em uma etiqueta feita por ele mesmo ao lado dos dizeres primeiro-ano-A. Divago de saudade e deixo o café rodando por tempo demais. Uma xícara quente. O líquido fervido esparramado pelo prato de vidro. Um pedaço de papel-toalha que se torna instantaneamente preto. Talvez seja melhor lavar o prato. Dava tempo de fazer um café novo, mas esse vai ter que dar. Dois dedos da bebida superaquecida com gosto de frustração e uma quantidade de cafeína insuficiente pra levar as próximas horas, quem dirá o resto do dia. Eu não tô com fome, ele rebate, e eu cedo. Porque o primeiro bolinho ainda saiu meio congelado. Porque não preciso me dar ao trabalho de pensar em outra coisa. Porque o leite tá caro demais pra ser virado na pia. Porque meu corpo reclama, mas não tenho tempo de ouvi-lo. Queria ser a mãe com o macaquinho fitness na porta da escola, mas saio atrasada, descabelada, esbaforida e usando combinações estranhas. Boaaulanãotiraamáscarateamotchau. Eu volto refazendo o caminho em passos lentos. E tudo outra vez. Todo dia às seis da manhã.

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